Marcas apostam em roupas adaptadas para pessoas com deficiência

Marcas apostam em roupas adaptadas para pessoas com deficiência

Lojas criam peças para dar mais autonomia e conforto a esse público e oficinas ensinam como reinventar itens antigos


A aposentada Selma Oliveira Almeida Ferreira, de 56 anos, não usava uma legging. Renata Viana, de 39 anos, tinha o sonho de voltar a sair de jeans. Daniel Silva de Souza, de 30 anos, não queria mais esconder a prótese. Após participarem de uma oficina na Rede de Reabilitação Lucy Montoro, os três, que têm deficiência, reformaram peças que haviam deixado de usar e perceberam que a moda pode ser inclusiva.


Além das adaptações no guarda-roupa feitas pelos próprios pacientes, marcas do ramo têxtil estão criando coleções focadas nesse público, para trazer autoestima, conforto e autonomia para cadeirantes, amputados e pessoas com deficiência visual. “Quando tem um problema de saúde, a gente deixa de querer se arrumar. Eu só usava calças largas para poder usar com a prótese, mas não usava legging desde a amputação”, conta Selma, que precisou fazer o procedimento após complicações que teve em uma cirurgia.


Há 12 anos, a estilista Daniela Auler desenvolveu um projeto de moda inclusiva na Rede Lucy Montoro, que evoluiu para um concurso que durou dez anos. Ela, que trabalha com a proposta, diz que as peças para pessoas com deficiência têm passado pelo mesmo movimento que a moda plus size atravessou: de roupas desconectadas das tendências a modelos que correspondem aos lançamentos.

 


“A moda inclusiva é pensada na diversidade dos corpos e é sustentável, porque, em uma calça que seria jogada fora, podemos abrir a lateral e colocar um zíper. Isso facilita na hora de se vestir. Comecei a entender que a moda inclusiva é como uma calçada adaptada com rampa, que todo mundo se beneficia, como quem tem carrinho de bebê, carrinho de feira e mochila da criança. A roupa inclusiva pode beneficiar grávidas e idosos”, exemplifica.


Um zíper que custou R$ 3 permitiu que Renata voltasse a usar calça jeans após oito anos sem usar a peça. “Sentia falta de usar calça, mas dependia de outras pessoas para me ajudar a vestir. Assim como eu, tem pessoas com peças lindíssimas e que não usam mais por não ficar confortável”, diz a aposentada.


As pessoas com deficiência dizem que, além de conforto e autonomia, querem se mostrar como são. “Eu não gosto de esconder a prótese. A oficina não trabalhou só a moda, mas a autoestima. Temos uma impressão de que a deficiência é feia, a gente pensa que não pode se vestir com determinadas roupas, mas não é assim”, afirma Souza, que sofreu um acidente de moto em 2014 e teve o braço e a perna do lado direito amputados.


Coleções adaptadas

Marcas voltadas para pessoas com algum tipo de deficiência têm surgido e trazem a proposta de peças atemporais e que atendam às necessidades desse público. Uma coleção com o conceito também chegou a uma grande rede de lojas de departamento.


No início de dezembro, a Riachuelo lançou a primeira linha inclusiva da marca. Desenhada pelo estilista Alexandre Herchcovitch, a coleção Barbie À La Garçonne tem bolsos embutidos e velcro ou elástico para fechar as peças. Segundo a marca, a concepção das roupas teve consultoria da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) e o desfile teve apoio da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência.


“Essa coleção foi pensada para ser inclusiva. Temos um programa de desenvolvimento interno e uma pessoa teve um caso de AVC (acidente vascular cerebral) na família e o parente ficou com limitação. Ela percebeu a dificuldade para vestir uma calça, colocar uma camiseta. Não foi fácil fazer essa coleção, porque exige um desenvolvimento grande para ser confortável e fomos na AACD justamente para ver o que estava certo e o que não estava”, conta Marcella Kanner, gerente de marketing da Riachuelo.


As versões adaptadas estão disponíveis no site da marca e a meta é, no futuro, oferecer as peças nas lojas físicas e ter uma coleção para as crianças. “Começamos com 150 peças para entrar com a coleção e tem coisas que já esgotaram. A gente está aprendendo e a ideia é conseguir evoluir pensando no público infantil, porque sabemos como é difícil para a mãe com criança com deficiência. A gente tem de entender a situação do mercado, evoluir e chegar em lojas físicas. O objetivo é crescer de forma responsável para não parar o projeto.  Demos um primeiro passo importante, mas temos um mundo pela frente.”


Um vestido de noiva adaptado foi o primeiro projeto de Drika Valerio, fundadora da marca Aria Moda Inclusiva. O projeto feito no final da faculdade de Design, em 2011, virou uma proposta para facilitar a vida de quem tem a mobilidade reduzida.


“A gente vende autoestima, conforto, bem-estar, autonomia e praticidade. O que a pessoa levaria 40 minutos para fazer com ajuda, faz em cinco minutos sozinha. Tem pessoas que levam até duas horas e meia para trocar de roupa. Elas acabam ficando em casa, têm depressão, baixa autoestima.”


A loja é virtual e comercializa cerca de 30 peças por mês. Os preços variam entre R$ 69,99 e R$ 89,99 “Não adianta fazer uma marca inclusiva e não ter um preço acessível.”


A empatia por paratletas conduziu a estilista Silvana Louro ao trabalho nesse ramo. Ela é a idealizadora da Equal que, além de roupas, tem bolsas e até capas de chuva para pessoas com deficiência. “A roupa dá identidade e faz uma ponte para a pessoa se comunicar com o mundo. A moda inclusiva vai começar a crescer, a procura está crescendo, mas é importante ter mais marcas.”


Ímã, zíperes e velcros mais delicados, que evitam machucados na pele, estão nas peças da marca de Silvana, que vai lançar em breve uma coleção com uma marca de roupa masculina e infantil presente em mais de 170 cidades do País.


Crescimento

Presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Pimentel acredita que, apesar das dificuldades de se fazer uma produção seriada de peças que precisam se adequar às necessidades de quem tem deficiência, esse é um ramo que deve crescer.


“No Brasil, segundo o Censo, 45 milhões de brasileiros têm algum tipo de deficiência. A partir dos centros especializados, hospitais e da demanda da sociedade, começa a ter espaço e a dedicação mais intensa para atender esse público. Ainda tem um longo caminho, no Brasil e no mundo, mas isso vai crescer porque é preciso pensar em todos e pensando no design, na forma para as pessoas ficarem bem.”


Psicóloga da  Rede de Reabilitação Lucy Montoro, Daniele Araújo explica que a roupa promove o resgate da participação e do convívio social. “Sair de casa envolve ter de se vestir. Algumas pessoas evitam beber água para não ter vontade de ir ao banheiro por causa da dificuldade para subir o zíper ou abotoar a calça. A moda está ligada à imagem e essas pessoas são muito invisíveis na sociedade. As pessoas olham e só veem a cadeira de rodas, por exemplo.”


Pessoas que perdem os movimentos ou passam a conviver com alguma deficiência, por uma doença ou acidente, muitas vezes deixam de usar a maior parte das roupas que tinham. O impacto não é só afetivo, mas financeiro. “Os pacientes têm gastos extras com transporte, porque se locomovem mais para ir ao médico, para fazer terapia e não sobra dinheiro para moda”, diz a psicóloga.


E ter roupas adequadas ou adaptações nas próprias peças traz resultados. “O impacto é maior liberdade para ser aquilo que é com maior autenticidade, mais alegria e satisfação com a própria vida. Tem impacto na autoestima e na autonomia.”


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